sexta-feira, 13 de outubro de 2017
Passo certo na bebida
O Rio Grande sempre se orgulhou por ser vanguarda. No entanto, hoje é único Estado dentre os de maior importância que mantém uma legislação proibindo o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol e ginásios esportivos. Em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Bahia, e recentemente o Paraná, já vigora a norma permissiva.
O fato não é somente porque os outros liberaram, mas, sim, o motivo da adoção de tal medida. Da ótica jurídica, nossa lei é inconstitucional e discriminatória, porque obstrui pontualmente os estádios de futebol e ginásios, como se todos os frequentadores fossem criminosos violentos e vândalos a serem dominados pelo aparato estatal. Como se a realização de outros espetáculos nos mesmos lugares não gerasse eventuais conflitos e situações de violência. Ademais, a norma estadual usurpou competência exclusiva do Município (art. 30, I) para legislar sobre a matéria.
Quanto à sua operacionalidade, chega a ser um pouco surrealista. Por hipótese, um baile em ginásio com lotação máxima e bebida à vontade pode ser totalmente alterado se, em determinado momento, alguém puxar um apito e resolver fazer uma partida de futebol. Os bêbados devem ser alocados nas arquibancadas, e a canha, suspensa.
Ironias à parte, o que importa em cada lei é sua finalidade e o atingimento dos objetivos propostos.
No caso das bebidas em estádios de futebol, resta evidente que a intenção das várias normas que pipocaram no país inteiro em 2008 era justamente reduzir a violência até então alarmante. Contudo, o resultado foi exatamente o oposto. Dados da Universidade do Rio de Janeiro apontam um crescimento espantoso do número de mortes em conflitos com o futebol. Na década anterior à entrada em vigor da lei (1999 a 2008) foram 42 mortes, média de 4,2 por ano. De 2009 ate julho de 2017, já estão contabilizadas 144 mortes. Mais do que o triplo. Em menos de nove anos, média de 16 ao ano.
Assim, verifica-se claramente que a violência não tem relação direta com a bebida consumida na arquibancada.
A quase totalidade das mortes ocorreu fora dos estádios. No entorno, a bebida rola solta para compensar a ausência dela durante a partida. E são bebidas pesadas, de alto teor alcoólico. A civilidade não se dá com a mera proibição, mas com educação e preparo. A liberação colocaria o Rio Grande do Sul no passo certo da questão.
Gladimir Chiele
Advogado, Associado do GU e Conselheiro do Grêmio FBPA
Artigo publicado na edição de 13/10/2017, páginas 34 e 35, do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, RS.
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